COTAS TRANS/TRAVESTIS NAS UNIVERSIDADES E CONCURSOS: uma urgência para transicionarmos o Brasil.

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Desde o início deste século, circulam projetos de lei que trazem à tona a necessidade de cotas nas universidades para grupos historicamente marginalizados e excluídos dos espaços políticos, sociais e culturais do Brasil. É inegável, como a ênfase desse debate para a população negra, trouxe impactos significativamente positivos para pessoas pretas e pardas, quanto a possibilidade de ingressarem no ensino superior, e com isso, conseguirem dar passos no caminho de mudar o quadro histórico que relega à população negra a marca mais escancaradas e desumanas da desigualdade dentro do capitalismo. Assim como, podemos observar, também, com a implementação de cotas para pessoas com deficiência (PCD) e indígenas a construção de uma Universidade pública mais plural, democrática e que produza conhecimento que sirva à classe trabalhadora, e as diversidades de gênero, étnicas, raciais, sexuais e de corporeidade que à compõe. Vemos como a transfobia no capitalismo tem servido para a exclusão dos corpos transgêneros dos espaços de produção de conhecimento e relegado esses corpos ao subemprego. É urgente avançar em políticas que garantam cidadania à população trans/travesti. Nós do Ecoar defendemos as cotas trans em universidades e concursos públicos brasileiros como forma de  começar a reverter o imenso quadro de exclusão social de pessoas trans.

Há muitos anos o Brasil vem liderando o ranking de países que mais possui registros de mortes/assassinatos de pessoas trans/travestis, relegando à esse segmento uma expectativa de vida aproximada de 35 anos, ao mesmo tempo em que também tem tido recordes no consumo de pornografia de mulheres trans/travestis. Isso nos mostra o lugar ao qual corpos transgêneros são colocados em um território marcado por uma história de séculos de colonização, estruturando relações patriarcais, racistas e de desigualdade de classe no interior das relações sociais estabelecidas no país. O medo e o desejo, o tesão e o ódio, andam de mãos dadas. Não à toa, é para a  prostituição compulsória que vê-se hoje grande parte das mulheres trans/travestis — principalmente, aquelas que sejam negras ou pobres — sendo empurradas para que consigam sobreviver, nesse modo de organização social, onde precisamos vender nossa força de trabalho para que consigamos recursos mínimos de subsistência. 

A partir do descrito acima, propomos aqui um simples exercício reflexivo para quem ainda não sinta convicção com o relatado: quantas mulheres trans/travestis estão no seu ciclo de amizade? Quantos homens trans você vê em notícias que não sejam sobre violências sofridas? Quantas pessoas não-binárias você encontra fora do armário dentro de seus espaços de trabalho? Em confluência, quantas pessoas trans e travestis não têm a informalidade como seu local de trabalho? E quantas dessas pessoas não são brancas ou de classe média? É provável que as respostas dessas perguntas, para a grande maioria das pessoas que estejam lendo esse presente texto, sejam negativas. E isso é um dos elementos que confirma o quanto a transfobia estruturada nessa sociedade, tem marginalizado corpos transgêneros historicamente.

Esses elementos descritos, porém, não podem ser deixados de ser analisados à luz de uma conjuntura recente que foi vivida no Brasil, onde um governante de extrema-direita recém saiu do cargo da presidência. O ex-presidente, Jair Bolsonaro, eleito em 2018, teve sua trajetória política marcada por extensivos ataques às pessoas e aos direitos LGBTIA+. Esse resgate é importante, pois, foi a partir do que ficou conhecido pelo “bolsonarismo”, enquanto uma cultura política construída através da valorização do ódio, da violência, do preconceito e da defesa de interesses individuais sob a prerrogativa do cristianismo no campo político institucional — concentrando esforços, sobretudo, nas disputas contra os direitos reprodutivos e as políticas de diversidade sexual, de gênero e familiares —, que foi possível ver novas figuras da extrema direita ganhando espaço e força política. Aqui, podemos pensar que, por exemplo, em 2022 ao mesmo tempo em que Érika Hilton (PSOL) foi eleita, por São Paulo (SP), como primeira deputada federal trans na história do país, tivemos também Nikolas Ferreira (PL), eleito para o mesmo cargo, como mais votado de Minas Gerais (MG), apesar dos escândalos relacionados a diversas denúncias de transfobias, sendo uma delas tudo por alvo uma adolescente.

É nesse cenário em que pessoas trans/travestis estão submetidas no cotidiano de suas vidas. Em um Brasil, onde vemos casos como o de Dandara Kettley e Demétrio Campos acontecendo e não sendo histórias isoladas, mas o padrão das narrativas de pessoas transgêneras no Brasil. Por isso, a nós — aqui incluo, ecossocialistas, comunistas, militantes de esquerda num geral ou qualquer pessoa que acredite ser possível a construção de uma sociedade diferente, onde superemos as relações estruturais de exploração e opressão dos indivíduos entre si e o para com o planeta — fica uma tarefa urgente para tocarmos junto aos nossos coletivos, organizações políticas e partidos para avançarmos na luta por direitos e cidadania para pessoas transgênero: a luta pela implementação de cotas trans e travestis para as Universidades, na graduação e pós-graduação, e nos concursos públicos!

É fato que dentro dos moldes atuais de organização sócio-econômica e político-cultural não nos veremos livres das violências LGBTIfóbicas, racistas, patriarcais e capacitistas, assim como, que a luta pela superação do capitalismo e da transição para uma nova estrutura social com o ecossocialismo enquanto norteador deste projeto de transição societária, é o nosso principal objetivo para pensarmos a superação dessas explorações e opressões historicamente construídas. Contudo, para hoje, de forma que possamos pensar um mínimo de dignidade e reparação à histórica marginalidade imposta à população trans/travesti no Brasil, é necessário um conjunto de políticas públicas sociais — que articule os campos da saúde, assistência, previdência, cultura, educação e emprego — para reverter minimamente esse cenário. Dentre as políticas necessárias, destacamos nesse breve texto a reserva de vagas, pensando na política de educação e empregabilidade trans e travesti.

Para grande maioria de jovens da classe trabalhadora ingressar na Universidade pública já é um grande desafio e razão de ansiedades visto a importância simbólica e material que esse ingresso pode representar, mas também, pela forma como esta é feita, visto que hoje vemos o acesso as Universidades públicas sendo definidos por meio de vestibulares que por sí somente, já se fundamenta de maneira excludente. Quando pensamos acerca da realidade de adolescentes LGBTIA+, fiinalizar o ensino básico se torna um grande desafio quando se cresce em uma família agente de violências LGBTIAfóbicas, estuda uma escola que não promove suporte às diversidades de gênero/sexuais ou caso não tenha suporte especializado à saúde mental para auxiliar nos atravessamentos que essas violências impõe. Quando nos debruçamos à transgeneridade, não é incomum, portanto, que vejamos esses corpos serem compulsivamente expulsos dos espaços de ensinos formais, através do conjunto de violências verbais, institucionais e físicas que os atravessam nesse (cis)tema. 

É de suma importância frisar que cerca de 82% das pessoas trangêneros são expulsas e impedidas de concluírem a sua formação entre os 14 e 18 anos, segundo a Rede Nacional de Pessoas Trans no Brasil, ainda cabe elementar que de acordo com relatório apresentado pela Associação de Pessoas Travesti e Transexuais (ANTRA), 2022, a evasão é percebida do ensino superior com aproximadamente 0,02% desta parcela marginalizada compondo o espaço acadêmico.

Nesse sentido, cotas trans e travestis nas graduações são fundamentais para replanejar a estratégia política para reverter minimamente a marginalização imposta à mesma população ao longo da história. Contribuir políticamente para a inserção e ampliação das políticas de inclusão a corpos dissidentes se apresentam de maneira centrall para a condução de novas narrativas apartadas da marginalização e constantes violências experenciadas por esse grupo minoritário, enquanto reflexo da imposição estrutural da cadeia cis-heteronormativa. As cotas abrem portas e as cotas para pessoas trans e/ou travestis sendo o pontapé inicial para (trans)gredir o (cis)tema educacional. 

Em paralelo, é de extrema necessidade conduzir a linha de criticidade aos modelos de trabalho que são apresentados socialmente à comunidade LGBTIA+ com ênfase nas vulnerabilidades experienciadas pela parcela de pessoas transgênero. A construção de um novo modelo societário deve levar em centro de debate aqueles corpos que são mais afligidos pelas expressões do acúmulo de capital em detrimento da mais-valia para apenas 1% da população mundial, de acordo com a ANTRA, 2022, é notório o conhecimento relatado em seu dossiê que aproximadamente 90% da pessoas trans e travestis sobrevivem a partir do mercado sexual de seus corpos, a construção do imagético social dessa população é açoitada cotidianamente a reprodução de estigmas, preconceitos e violências. 

De modo intrínseco às vagas afirmativas nas universidades, as dos concursos públicos devem ocorrer em paralelo para a garantia da inserção dessa parcela da população no mercado de trabalho formal, com garantia de direitos sociais e trabalhistas. É de responsabilidade social e histórica para com esse grupo a devolução de oportunidades sociais que estão para além das consequências das violações de sua dignidade humana, representada por quatorze anos consecutivos a supremacia hegemônica do modelo branco cis-héteropatriarcal da sociedade brasileira. A reprodução da rejeição à diversidades é notada também pela naturalização das exclusões sociais que é percebida na ausência desses corpos distantes das esquinas e nas ruas escuras, pessoas trans e travestis resistem a naturalização de seus assassinatos e a invisibilidade de suas identidades e cidadanias. Então, você pessoa aliada do movimento, quantas pessoas trans e travestis existem na sua bolha social?

Para que saiamos da falsa representatividade acumulada somente no mês de janeiro, como o período da visibilidade de pessoas trans, é necessário que pessoas cisgêneras assumam o compromisso em romper com o seu pacto de gênero e reafirmar outras potencialidades apartadas e excluídas do pelo cotidiano burguês e alienante sobre a invisibilidade de determinados corpos no nosso convívio social.  O amanhã se constrói no hoje, assim, seguiremos na luta por melhores condições e oportunidades, para que possa ser sonhado e normalizado a presença de travestis professoras, homens trans cientistas e pessoas não-binárias como as pesquisadoras da próxima geração em nosso país! 

Seguimos (re)existindo!

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