Sem anistia! Por uma responsabilização de classe para Bolsonaro e seu entorno que vá além das prisões

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A recente ofensiva da Polícia Federal contra Bolsonaro e o seu entorno, coordenada a partir de mandados judiciais do ministro do STF Alexandre de Moraes, coloca na ordem do dia a chance de estes serem condenados pela articulação da tentativa de golpe de Estado ocorrida no dia 8 de janeiro deste ano. As evidências de que Bolsonaro e sua família; o seu partido, o PL; e os militares mais próximos do governo estavam no meio de uma artimanha golpista são enormes. Há claro desejo de setores da institucionalidade jurídica, como o já citado Moraes e o Procurador Geral da República, Paulo Gonet, de prosseguir com essa condenação.

Bolsonaro é o líder de um movimento fascista que tem por objetivo principal a regressão dos ganhos democráticos que a classe trabalhadora conquistou dentro da institucionalidade burguesa. Sua existência é fruto das insuficiências da Nova República estabelecida em 1988, que mantém as agruras do capital, mesmo que sob um manto democrático e garantista. Dentro dos movimentos contraditórios do desenvolvimento do capital, a doença que surge destas insuficiências, o fascismo, ergue uma elegia sobre as suas falhas a fim de combater o seus acertos: assim, o bolsonarismo critica o “sistema”, o “establishment”, a “mídia hegemônica” – entre outros pretensos inimigos – quando na verdade é um agente com o objetivo não de destruir o sistema, mas de reconfigurá-lo para uma forma mais opressora, especialmente sobre mulheres, população negra, LGBTIA+, povos originários, comunidades tradicionais e o meio ambiente.

O enfrentamento desse movimento não se dá sobre os mesmos marcos da luta contra a burguesia dentro de uma democracia liberal-capitalista. Não à toa, taticamente, nossa organização fez campanha para a chapa Lula-Alckmin no segundo turno, amparada em vários elementos de um projeto neoliberal, a fim de derrotar Bolsonaro eleitoralmente. Mesmo sabendo que as eleições seriam (e são) insuficientes para conter Bolsonaro, não a tratamos como irrelevantes: tirá-lo do Executivo Federal era mais um passo para enfraquecer sua capacidade de atuação e mobilização, assim como a decisão recente de torná-lo inelegível. Todas essas são medidas localizadas no seio da institucionalidade capitalista, de onde não sairá nossa vitória total, porém, ainda assim, importantes.

É nesse bojo que defendemos a posição de que Bolsonaro e seu entorno devem ser presos. Somos um coletivo abolicionista e, para nós, o uso tático do direito penal é algo extremamente pernicioso, para não dizer impossível, ainda mais em um contexto genocida como o brasileiro. Portanto, essa não é uma consigna fácil para nós.

Diferentemente de outras formas jurídicas – na qual o uso tático se desenvolve a partir ação política organizada dentro do terreno do direito almejando ganhos de consciência de classe, organização dos setores oprimidos e de condições materiais dos despossuídos dentro de uma estratégia revolucionária – a pena ocupa um espaço dentro das relações sociais e órgãos da máquina estatal que apenas está voltada para a repressão, apenas a diminuição da extensão da juridicidade sob a vida das classes trabalhadoras pode gerar efetivos ganhos para nós.

Entretanto, isso não impede de enxergarmos ganhos políticos em prisões pontuais,  como é o caso de líderes fascistas e a disputa que estamos fazendo para enfraquecê-lo. Com Bolsonaro preso, por óbvio, sua capacidade de angariar quem o apoie é reduzida. Ainda que haja o risco de que essa prisão seja instrumentalizada como um martírio, não é desprezível o fato que a prisão de líderes políticos, de diferentes espectros ideológicos, tende a minar sua atuação. Apenas como um dos exemplos desses efeito mitigadores, não teríamos Bolsonaro nos palanques nas eleições municipais deste ano.

É importante que essa consigna venha juntamente a um movimento crítico: chegarmos ao ponto de entender uma prisão como uma vitória é uma derrota para todo o movimento  abolicionista. É uma demonstração de do desafio da esquerda revolucionária e da incapacidade do Estado burguês de gerar qualquer responsabilização e reparação efetiva acerca de condutas que, segundo ele próprio, seriam deploráveis. 

A primeira ainda não conseguiu tomar para si a luta contra o fascismo, sendo fraca demais para sequer tomar as ruas quanto mais para, com suas próprias mãos e por meio das nossas regras, das classes trabalhadoras – e não da justiça burguesa julgar Bolsonaro. Do outro lado, não está na pauta do aprisionamento de Bolsonaro as centenas de milhares de mortes evitáveis na pandemia, pelo genocídio dos povos originários ou pelo ecocídio contra os biomas. Ou seja, apenas a ação que ofendeu ao Estado burguês, ainda que seja também brutal à classe trabalhadora, está em jogo. Fora isso, não está sendo oferecido um processo de memória, reparação e medidas para impedirmos que isso ocorra novamente ou que seja varrido para debaixo do tapete.

A prisão de Bolsonaro e sua corja, ainda que possa expressar ganhos políticos pelo seu afastamento do plano material da política, também se apresenta como uma derrota a ser criticada e superada no futuro, pelo fato de termos chegado ao ponto de precisar do sistema penal que programamos destruir. 

Nesse sentido, é inegável que as principais movimentações estão surgindo das instituições de Estado e seus agentes, como Alexandre de Moraes e Paulo Gonet. É mesmo do interesse da classe trabalhadora deixar as ruas somente aos bolsonaristas, que foram à Paulista no último domingo, enquanto nós nos escondemos atrás das togas? Isso não reforça o caráter pretensamente antissistêmico do bolsonarismo? Precisamos urgentemente de mobilização por uma “justiça” classista e popular, na qual outras ações de Bolsonaro, as que não ofendem o Estado burguês, também estejam em pauta: suas medidas fascistas, ecocidas e genocidas; cabendo às organizações da classe trabalhadora cumprir esse papel de convocação. O brado “Sem anistia!” só será completo se vier de nós.  

Coordenação Nacional do Ecoar

1º de março de 2024

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