CPI DO PÓ PRETO: Até quando as empresas Vale e ArcelorMittal vão contaminar o Espírito Santo?

Rinite e coriza, asma e bronquite, males sanguíneos, alteração do sistema nervoso e câncer. Esses são alguns dos danos à saúde causados pelo “pó preto”, nome popular dado ao material particulado de minério de ferro e carvão mineral. A população da Grande Vitória, no Espírito Santo, sabe exatamente o que é respirar minério de ferro diariamente, sem descanso para seus pulmões. Apesar da luta de anos para impedir o avanço dessas emissões, a realidade atual é de agravamento delas. Elas partem de um endereço certo: o polo industrial siderúrgico que se instalou no Porto de Tubarão e abriga duas gigantes da indústria extrativista-mineradora, inimigas da saúde e da vida do povo e do meio ambiente: a ArcelorMittal, empresa siderúrgica, e Vale, a mineradora que, além de metal, também produz desastres como os de Mariana e Brumadinho.

Em 2023, diversos canais de notícia divulgaram aumento da poluição por pó preto em todas as estações de Rede de Monitoramento da Qualidade do Ar, mantidas pelo Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA). Em alguns pontos, o aumento chegou a 1000%. Ainda mais preocupante foi a averiguação de que, após a constatação desse aumento, os potes de monitoramento do bairro Ilha do Boi, em Vitória, foram virados de cabeça para baixo a fim de impedir a coleta de pó preto, em uma espécie de sabotagem contra a medição.

Diante da luta travada há anos pela população contra essas empresas e o recente agravamento da situação, o vereador André Moreira (Psol), do município de Vitória, fez uma proposta de lei com o objetivo de aprimorar os padrões de qualidade do ar e os parâmetro de aferição, além de criar a Rede Municipal de Acompanhamento de Indicadores de Exposição à Poluição Atmosférica. Ou seja, uma atribuição que seria somente do estado do Espírito Santo, pelo IEMA, contaria com a contribuição municipal. A partir da mobilização de setores da sociedade civil e uma intensa articulação na Câmara de Vitória, a lei foi sancionada em dezembro de 2023, tornando-se a Lei Ordinária nº 10.011, um importante marco na histórica luta travada pela população contra a poluição atmosférica e os danos à saúde pública por parte das mineradoras, que seguem cotidianamente minando a saúde da população capixaba, do Rio Doce à Grande Vitória.

Entretanto, em janeiro de 2024, o desembargador do TJES, Fernando Zardini, acatou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pela Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), suspendendo liminarmente a lei. Zardini, que decidiu em um plantão de sexta-feira à noite, fundamentou sua decisão por prever risco grave ao setor industrial e declarou a incompetência do município para legislar sobre a matéria ambiental. 

É verdade que o tema sobre competência municipal para legislar sobre meio ambiente possui algumas controvérsias. Porém, já é consolidada pelo STF a constitucionalidade do Município legislar sobre matéria ambiental, com base no “interesse local”, presente no inciso I do artigo 30 da Constituição de 1988. Zardini, ao justificar sua decisão, utilizou somente o fundamento do artigo 24, que aborda a competência concorrente entre União, Estados e Distrito Federal: a União deve estabelecer regras gerais, enquanto os Estados e DF elaboram normas específicas que complementam a geral. Caso não haja norma da União, os outros entes estão livres para legislar. O Município está fora desse artigo, mas o STF já decidiu por diversas vezes que, em matéria de meio ambiente, o município é competente para legislar sobre assuntos locais, com competência legislativa suplementar.

Essa importância dada aos municípios em assuntos de meio ambiente foi um avanço significativo no direito ambiental, pois a proteção dos recursos ambientais pode ser mais eficaz quando feita localmente.

Para além das questões jurídicas e de competência, devemos questionar a motivação política da suspensão da lei. Qual o interesse em suspender a criação da Rede Municipal de Acompanhamento de Indicadores de Exposição à Poluição Atmosférica, que não diverge de nenhuma legislação hierarquicamente superior? 

Diante das complicações, tanto legislativas como da realidade social prejudicada cada vez mais pelo pó preto, o vereador André Moreira propôs uma CPI baseado na situação: apesar de os Termos de Ajuste de Conduta (TACs) entre o MPES e as empresas Vale e ArcelorMittal ter 90% de cumprimento até então, a situação não melhorou, o que pode significar a ineficácia dos TACs. A ArcelorMittal e Vale utilizam-se desses instrumentos como uma verdadeira permissão para poluir em larga escala, intoxicando os pulmões da população e jogando lixo em suas casas. Funciona como uma permissão para matar, pois a poluição causa doenças respiratórias e cardiovasculares que podem levar à morte, sobretudo crianças e idosos.

Porém, a CPI começou sofrendo uma derrota em sua composição, pois três dos cinco vereadores que a compõem são da base do prefeito, Lorenzo Pazolini (Republicanos), que representa um setor notadamente subordinado aos interesses da burguesia local. Aliás, Duda Brasil (União) e Davi Esmael (PSD), respectivamente relator e membro sem função, foram os únicos vereadores que votaram contra o projeto de lei de qualidade do ar atmosférico. Moreira ficou como vice-presidente e apontou injustiças na votação para composição da CPI, pois o acordo inicial estabelecido o definiu como relator, o que mudou após uma reunião de Pazolini na Câmara de Vereadores da base aliada.

Logo na primeira reunião deliberativa da CPI, dois ambientalistas foram expulsos da Câmara Municipal: Eraylton Moreschi e Lucas de Jesus, membros da ONG Juntos SOS ES Ambiental e conhecidos militantes da causa ambiental no que diz respeito ao pó preto. A expulsão foi obra do presidente, Leonardo Monjardim (Novo), que enfraqueceu o debate na CPI, dando ainda mais espaço aos defensores das empresas poluidoras.

A disputa em relação ao pó preto exemplifica um problema geral vivido, especialmente pelas populações dos países da periferia do sistema capitalista, como é o caso do Brasil: a sobreposição do lucro das empresas em detrimento do equilíbrio ambiental e da qualidade de vida da população. Diversos estudos são categóricos ao apontar a relação entre os índices de poluição atmosférica e a ocorrência de problemas respiratórios na Grande Vitória e, dentre os poluentes, o material particulado apresenta relação mais frequente e consistente com as doenças do aparelho respiratório e cardiovascular. 

O estado do Espírito Santo se encontra nas mãos da Vale e ArcelorMittal, que lucram com nosso sofrimento e garantem as condições para fazer do estado e de setores da classe política, atores de seus interesses privados. 

São diversas as multas já impostas e nunca pagas e os processos existentes sem resultados significativos contra a Vale. Uma das soluções apresentadas por ambientalistas e movimentos sociais, o enclausuramento dos locais de dispersão do pó preto, é descartada pelas poluidoras sob o argumento de que não haveria viabilidade econômica para isso. A viabilidade econômica das empresas precisa estar a serviço da saúde do povo, e não o contrário. Enquanto as empresas protegem suas taxas de lucro no maior nível possível, vemos a falta de vontade política por parte das instituições para enfrentar o setor minerador e seus lacaios e representantes políticos. Enquanto isso, são anos constatando que essas empresas estão matando os capixabas com o pó preto em nome do paradigma desenvolvimentista baseado no extrativismo, que empurra o planeta para o abismo da destruição capitalista do meio-ambiente.

O modelo de desenvolvimento capitalista, fundamentado no progresso desenfreado para obtenção de lucros imediatos, culmina na prioridade dos avanços das empresas e seu crescimento, mesmo que isso signifique passar por cima da vida da população e do meio ambiente. Mesmo em momento de agravamento da crise climática, a classe dominante, sejam empresas ou políticos ligados a elas, escolhe ignorar o prejuízo da poluição atmosférica, em nome da manutenção do sistema e das taxas de lucro da burguesia. O que se apresenta no caso da Vale e ArcelorMittal é a expressão de uma fórmula clássica do neoliberalismo, privatizar o lucro, em benefício delas e dos seus aliados, e socializar os danos e prejuízos.

Ainda que em meio ao pó preto, que insiste em se anunciar sobre os quintais, as mesas, os pratos e os corpos dos capixabas, ainda que sob a sombra da nuvem de poluentes que desponta no horizonte da nossa cidade, a luta para construir um novo modelo de sociedade, que seja capaz de realmente priorizar a vida, em suas múltiplas formas, e reverter o colapso climático, segue ecoando a plenos pulmões aos quatro cantos dos nossos territórios. Eliminar o pó preto será um passo importante, mas vamos por mais.

Ana Júlia Bof Braga e Igor Emmanuel Marques – Coordenação Nacional do Ecoar, moradores da cidade de Vitória/ES

Marcações:

1 comentário em “CPI DO PÓ PRETO: Até quando as empresas Vale e ArcelorMittal vão contaminar o Espírito Santo?”

  1. Stefani Stinguel Klems

    Importante denúncia feita pelos companheiros, não podemos deixar que essas poluidoras fiquem impunes!

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