Indicações de Lula para PGR e STF: fortalecer a extrema-direita em nome da suposta governabilidade

Ana Lia Galvão – Coordenação Nacional do Ecoar, militante antiproibicionista e anti-cárcere em São Paulo/SP

Foram realizadas, na última semana, as sabatinas de Flávio Dino, atual Ministro da Justiça e Segurança Pública, indicado por Lula para ocupar a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), e de Paulo Gonet, indicado para ocupar o posto de procurador-geral da república. Ambas as indicações foram aprovadas pelo Senado Federal e Gonet já empossado no cargo.

Ambas as indicações feitas por Lula nos levam a importantes reflexões sobre o papel que seu governo cumpre no momento em que vivemos e sobre o papel do sistema de justiça na sociedade capitalista.

Poderíamos dizer “parece que Lula se esqueceu, ao reassumir a presidência, que a principal tarefa que temos neste momento é derrotar a extrema direita”, mas estaríamos ignorando que sua candidatura, seu programa e suas alianças nunca estiveram à altura desse desafio. Não há surpresas quanto a isso, embora, na mesma medida, seja sempre importante fazer o lembrete.

É partindo desse ponto que analisamos as indicações feitas por Lula neste momento.

A indicação de Dino demonstrou que Lula não foi capaz de dialogar com uma ampla reivindicação, que não passava somente por movimentos sociais mais radicalizados que, sabemos, estão mais distantes ou não fazem parte do rol de alianças do Governo Federal. Pelo contrário, a reivindicação de que uma mulher negra fosse indicada para a vaga deixada por Rosa Weber foi apresentada por incontáveis ONGs e outras organizações institucionalizadas, setores da sociedade civil que atuam de forma politicamente próxima ao Governo e que, por vezes, limitaram sua reivindicação a um mero identitarismo.

Lula, como uma péssima sinalização para o conjunto do movimento negro brasileiro, não indicou uma mulher negra para ser ministra do STF.

Para além disso, precisamos nos lembrar do essencial: Dino é contra a legalização do aborto e das drogas, pautas centrais para movimentos sociais históricos de nosso país e fundamentais na luta pelo fim do genocídio da população negra e trabalhadora. O papel que Flavio Dino tem cumprido no Ministério da Justiça e Segurança Pública, como uma prévia dos rumos para os quais esses posicionamentos apontam, é marcado pelo fortalecimento orçamentário de governos estaduais comprometidos com chacinas, parte estrutural do genocídio que segue empilhando corpos negros.

Considerando que a indicação anterior de Lula ao STF, Cristiano Zanin, dá diversas sinalizações ao capital, como no recente entendimento de que os/as entregadores/as não são trabalhadores/as, não é exagero afirmar que Lula concedeu dois lugares estratégicos na Suprema Corte ao capital e ao genocídio da população preta e pobre. E, vale ressaltar, ambas as indicações expressam bem a localização do Governo do ponto de vista programático: não há qualquer rompimento, em qualquer nível, com o projeto de massacre imposto pelo capital à classe trabalhadora.

Paulo Gonet, por sua vez, gera ainda mais horror: era uma das opções de Bolsonaro para a PGR no início de seu mandato, uma figura conservadora, ultra-católica e marcada por posicionamentos favoráveis aos torturadores da ditadura militar.

Isso demonstra que Lula não só se coloca com conivência com posições pró-ditatoriais, como não está comprometido com não anistiar aqueles que a reivindicam e perpetuam suas mais tenebrosas heranças. Quando participou da comissão especial sobre mortos e desaparecidos políticos da ditadura, Gonet votou contra o reconhecimento da responsabilidade do Estado frente aos assassinatos de Zuzu Angel, Edson Luís, Marighella e Lamarca.

Esse tipo de escolha é uma sinalização não somente para o centrão, mas especialmente para a extrema-direita. Ao contrário do que aponta a suposta justificativa implícita nessa decisão, isso não fortalece a governabilidade de Lula, mas a enfraquece na medida em que demonstra que está cedendo esta dimensão de espaço para a extrema-direita em seu governo. Estamos falando de abrir ainda mais espaço para setores da política tradicional que não têm qualquer apreço por processos democráticos, o que contribui para fortalecer a extrema-direita – o oposto do que nos está colocado como tarefa!

O deslocamento de parte da base bolsonarista para o apoio a Lula também nos faz observar que a maior ameaça ao governo pode não estar fora dele, mas em seu interior, a partir de uma composição que obriga à implementação de uma política cada vez pior, cada vez mais conservadora.

Com isso, é inevitável pensar na possibilidade de se abrirem cada vez mais caminhos para uma aliança eleitoral entre a direita e a extrema direita nas eleições de 2026, em um cenário trágico em que a imagem da esquerda se enfraquece graças a medidas tomadas pelo PT, eleito sob a promessa de melhorar de fato a vida da classe trabalhadora. 

Com essas indicações, Lula não fortalece sua governabilidade ou enfraquece a extrema direita. Pelo contrário, contribui para que não avancemos nessa tarefa, uma das maiores de nossos tempos.

Data de elaboração do texto: 19 de dezembro de 2023

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