Ecoar a voz da revolução!

A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e
fome.

(…)

A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
o eco da vida-liberdade.

“Vozes- Mulheres”, Conceição Evaristo.

Você já ouviu essa voz. Essa aí que a Conceição falou. Você a escuta todos os dias.

Ela parece com a voz do cara que pedalou a cidade inteira pra ganhar três reais entregando comida. É a voz do porteiro, da estudante, do cientista, da professora. Lembra, é muito semelhante, à voz das pretas, à voz das mulheres, à voz das diferentes. Mas alguma voz não é diferente? São todas diversas, plurais, e, ao mesmo tempo, tão parecidas. Tão parecidas com aquela voz. Essa voz às vezes declama poemas, profere discursos, entoa canções. Às vezes ela é só um suspiro cansado. Às vezes ela é um respiro em busca de inspiração. Mas é sempre aquela voz.

Você começa até a estranhar: ela está em todos os lugares. Ela está na mata, ela está na escola, ela está na rua, ela está no prédio, ela está no morro, ela está na padaria, ela está na praça. Nem mesmo os presídios, essa invenção maléfica, conseguem prendê-la: ela também surge lá. Para a maioria das pessoas a voz é sempre harmônica, ela sempre faz algum sentido. Mas para uns poucos, bem pouquinhos, ela é um zumbido que irrita, como o bater de asas de um mosquito, como o vizinho fazendo obra. Esses poucos são os donos de tudo, aqueles que querem calar a voz. E olha, eles são poucos, mas poderosos. Antes tinham chibata e imperador. Hoje tem emissora de TV, banco, polícia, jornal, milícia, corrente no Whatsapp, jagunço, bomba nuclear, deputado, senador, vereador e até presidente. Pouco mudou: esse pequeno grupo continua com o poder pra calar a voz. Os recursos, as mordaças, para sufocá-la.

E eles continuam fracassando.

Porque a voz não surgiu hoje. Ela não é resultado do presente e tampouco vai se calar no futuro. A voz é o produto do ódio de todas as exploradas e oprimidas pela história. É o eco dessa tradição. A voz é a dos escravos da Roma antiga ao Brasil colônia. A voz é a das trabalhadoras das fábricas às do quarto de empregada. A voz é a dos povos originários da Polinésia à América Latina. A voz é a cólera de todas as que sofreram, a resposta a todos os massacres. E chega hoje, no presente, encontrando um momento crítico. Um momento de erosão do capitalismo, de total e comprovada falência desse sistema em produzir qualidade de vida. Quanto mais destruição eles promovem, quanto mais crítica fica a conjuntura, mais é aberta a possibilidade para que puxemos um freio de emergência, para que encerremos essa barbárie. É o ontem, mas é também o agora. É sobre o agora. Tem de ser agora.

Mas o ódio das revolucionárias é diferente. É o único ódio de todos que se torna, no fim, amor. Um amor pela ideia de que é possível se aproveitar toda a nossa potencialidade como sociedade para criarmos algo novo, algo melhor. É um amor pela humanidade: não somos resumidos, como espécie, a todos esses ataques promovidos pelos poucos que não nos representam. Eles não gostam da voz. Nós gostamos. Uma voz de esperança que grita do passado e do presente em nome do futuro! Em nome do nosso futuro!

E é por isso que estamos fundando um coletivo. Um coletivo de juventude. Porque queremos unir as pessoas que, mesmo cansadas do que vivem, estão animadas para construir um mundo melhor. Animadas para fazer a revolução, em seu significado pleno. Uma revolução dos de baixo, antiburocrática, que aprende com o passado para construir o futuro. Uma revolução que não termina em si mesma, e que só se constrói com um olhar atento e próximo às diversas lutadoras sociais do presente. Somos jovens revolucionários que querem ajudar a virar esse jogo dos poderosos. Esse jogo racista, machista, lgbtfóbico. Contra o jogo que destrói o planeta, gritamos: ecossocialismo ou barbárie! Contra o jogo dos que exploram o trabalho humano, gritamos: autonomia da classe! Se está no livro de regras dessa sociedade que a educação, a saúde e os recursos naturais são mercadorias, que joguemos fora esse manual. Se o tabuleiro não inclui os povos tradicionais e originários, não nos serve para construir o mundo no qual queremos viver. E quanto ao baralho de cartas marcadas da “guerra às drogas”, que mata e encarcera o povo preto e pobre? Recusamos, repudiamos e enfrentamos todos os dias.

É muita coisa pra fazer. É muita coisa pra pensar. Porque nossos sonhos são grandes e o presente está distante deles. Mas, reafirmamos: nosso ódio revolucionário é uma forma de amor e esperança. Não só acreditamos que é possível, como temos a certeza de que a destruição desse sistema é a única via para nossa emancipação. Queremos te ouvir. Porque sabemos que você também escuta a voz. Sabemos que você a escuta todos os dias.

Porque ela está dentro de você.

Deixa ela rugir. Deixa ela gritar. Deixa ela ecoar.

Ecoar – Juventude Ecossocialista

 

Texto publicado em 19 de novembro de 2020.