Mineração na Serra do Curral: os velhos problemas de Minas batem na porta de sua capital

  • por

Talvez não haja outro estado brasileiro tão orgulhoso de seu passado colonial quanto Minas Gerais. Se culturalmente esse orgulho é evidente, um tanto menos óbvias são suas consequências trágicas para o presente e o futuro do povo mineiro.

Por séculos, Minas Gerais tem sido continuamente devastada — e seu povo explorado — pelas atividades predatórias da mineração. São áreas imensas de florestas derrubadas, recursos hídricos comprometidos, contaminação das terras para plantio de alimentos, doenças respiratórias causadas pelo excesso de poeira, e inúmeras outras ofensivas sobre nós e nossas terras, eventualmente culminando em crimes socioambientais catastróficos, tais como os cometidos em Mariana (2015) e Brumadinho (2019).

Muitas de nossas cidades foram erguidas para sustentar esse extrativismo, e, por gerações, populações inteiras têm dependido economicamente dele. São reféns históricos abandonados à própria sorte pelo Estado: para que tenham condições de colocar alguma comida em suas mesas, precisam trabalhar a vida toda em uma (ou na órbita de uma) indústria que os ataca brutalmente. Sem qualquer outra perspectiva de vida, muitos milhares de trabalhadores são obrigados a cavarem suas próprias covas em prol do enriquecimento de alguns poucos burgueses.

Nesse contexto, a aprovação do licenciamento ambiental conseguido pelo megaprojeto de mineração da Tamisa sobre a Serra do Curral não é capaz de surpreender quem conhece o passado que persistentemente se faz presente em Minas Gerais. Também não surpreende o apoio incondicional do governo neoliberal de Romeu Zema (NOVO/MG) ao projeto. Mesmo com tantas sinalizações a respeito das terríveis consequências que esse projeto pode acarretar — para as pessoas e para o ecossistema da região —, o governo de Minas tem facilitado e votado a favor de sua realização, contra o seu povo. Este é mais um ataque direto e explícito às pessoas que vivem e trabalham na região da serra (Nova Lima, Belo Horizonte e Sabará, principalmente) para beneficiar os que não dependem desta terra para viver e nem possuem compromisso algum com ela. O compromisso da burguesia é com o lucro.

Para os que investem na destruição e na exploração, todos os aspectos da vida dos trabalhadores são convertidos em meros valores financeiros. O capitalismo permite e encoraja que assim seja. Se para um crime socioambiental a pena é uma multa, este crime compensa para quem pode pagar, contanto que seja lucrativo o suficiente; existe um preço para nos matar e eles pagam rindo.

A exploração da Serra do Curral é um caso conjuntural que evidencia uma crise estrutural em Minas e no Brasil, como um todo. Mas, diferentemente de outros tantos projetos de mineração na região, este está recebendo alguma atenção da sociedade civil antes que danos irreparáveis na serra sejam causados. É um sinal vermelho que nos alerta que ainda é tempo de lutar contra esse avanço descarado do capital sobre a classe trabalhadora. Mas o combate imediato deste projeto deve estar aliado a outro maior e mais fundamental: é necessário destruir a estrutura que tem produzido tanto sofrimento socioambiental ao longo de nossa história. Enquanto ela persistir, projetos como o da Tamisa seguirão passando e nós, o povo trabalhador, seguiremos perdendo, por mais que consigamos algumas poucas vitórias pontuais.

Mas se ainda há tempo, ele é pouco. A construção de um Brasil soberano e que coloca seu povo e seus ecossistemas acima dos ganhos individuais — um Brasil ecossocialista — é necessária e cada vez mais urgente. Que saibamos lutar juntos pela nossa sobrevivência, pois é exatamente isso o que está em jogo.

*Texto escrito por Frederico Santiago (Ecoar MG) a partir de trocas com a historiadora Débora de Viveiros Pereira.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *