PEC das Drogas e o fim das saidinhas: os ataques chegam dos poderosos, mas nossa luta segue firme. É assim que vamos às Marchas da Maconha em todo o Brasil!

Chegamos a mais um Maio Verde, período com calendário marcado pela luta antiproibicionista, e as notícias que estalam são a de Lula sancionando o fim das saidinhas para a maioria da população carcerária e a do Congresso Nacional usando nossas vidas para brigar com STF.

Nos últimos meses, os movimentos antiproibicionista e anticárcere têm levado duros golpes, que eficientemente dão continuidade a uma política histórica de massacres em nosso país – que, entra governo-sai governo, é mantida firme e forte.

É assombroso ver a guerra entre Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal ter como objeto a vida da juventude negra e trabalhadora. É o que está acontecendo por meio da proposição e votação da Proposta de Emenda Constitucional 45, a PEC das Drogas, já aprovada no Senado e agora em tramitação na Câmara. O STF, como um mínimo aceno à obviedade da legalização do uso de maconha, medida já adotada por diversos outros países, ameaçou proferir decisão que representaria um pequeno avanço da luta antiproibicionista e, como resposta, o Congresso apresentou a PEC das Drogas para dizer que não seria admitido qualquer nível de ousadia que caminhasse, ainda que muito pouco, no sentido da legalização.

A verdade é que o rumo que estava tomando o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 635.659, em que o STF poderia decidir que o uso de drogas não é crime, teria impacto bem limitado, uma vez que para o crime de uso de drogas já não há previsão de prisão. Não por isso, é claro, devemos deixar de estar à frente da defesa de que o julgamento do RE seja no sentido de descriminalizar o uso. Pelo contrário, devemos disputar para que uma decisão como essa não seja resumida ao uso de maconha, se estendendo para o uso de todas as drogas, e jamais deixar passar batido: se hoje o STF está julgando esse tipo de questão, isso é vitória das nossas lutas!

O momento em que estamos demonstrou que os movimentos antiproibicionistas tomaram, mais uma vez, um “olé” do STF: o ministro Dias Toffoli pediu vistas, para, em tese, analisar melhor o caso antes de opinar, depois de mais de 13 anos que o processo foi distribuído no Supremo! Isso demonstra que não devemos ter ilusões com o STF, muito menos substituir nossas lutas por esperanças na Corte.

O STF não prometeu muitos avanços e, até o momento, não entregou nenhum. Mas, ainda assim, o Congresso Nacional achou que precisava dar um recado: “vocês não podem legislar em nosso lugar”. Esse ataque do Congresso parte especialmente de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado Federal,que demonstra seu desejo de reduzir os poderes do Supremo, já evidentes na proposição da PEC 8/21, que limita as decisões da Corte. Discursivamente, Pacheco afirma que sua agenda está circunscrita à vontade de restaurar o equilíbrio dos poderes e o devido processo democrático. Na prática, é evidente que quer reiterar a política de manter-se próximo o suficiente do Governo Lula para ocupar cargos e receber dinheiro, mas manter sob sua alçada o numeroso eleitorado conservador. Vale lembrar que esse mesmo Pacheco foi vendido por setores do lulismo como um nome racional e consciente, e que estaria no Senado Federal a salvação contra o fascismo do bolsonarista Arthur Lira, presidente da Câmara. 

Com o Congresso ocupado majoritariamente pelo Centrão e pelo bolsonarismo, já esperávamos a aprovação da PEC das Drogas no Senado. Mas o que muitos setores que apostam no lulismo como uma salvaguarda a esses ataques não  esperavam era que isso viria com conveniência vergonhosa do governo. Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo no Senado, não somente liberou a bancada governista para votar como bem entendesse, como também saudou as motivações do PL de reduzir o poder do Supremo e ampliar as prerrogativas do Congresso. 

Fato é que a proteção às nossas vidas não é a preocupação central nem do Supremo nem do Senado em sua disputa pelo poder. O que vemos é um show de horrores em que grandes poderosos empurram e puxam nossos direitos e sonhos de um lado para o outro e, dependendo de quem ganha esse cabo de guerra, nos damos mal ou muito, muito, mal.

A PEC das Drogas eleva a princípio constitucional o crime de porte e posse de drogas, que hoje é lei ordinária, ou seja, promove o proibicionismo. Como hoje o porte e a posse de drogas, seja para qual finalidade, já são crimes, o impacto da aprovação dessa PEC pode não representar retrocessos imediatos para a população presa. Por outro lado, um de seus maiores e mais trágicos efeitos é impedir vitórias futuras da luta antiproibicionista por meio de mudanças judiciais ou infraconstitucionais. Isso quer dizer que não será possível, por meio de um projeto de lei comum, legalizar qualquer uma das condutas que hoje são criminalizadas relacionadas a drogas, tampouco obter avanços por meio de brigas judiciais como a do RE de drogas no STF. Qualquer avanço antiproibicionista só poderá ser discutido e aprovado por meio de uma nova alteração constitucional, o que nos impõe uma série de outros obstáculos.

Como uma cereja azeda em um bolo podre, vimos o Projeto de Lei 2253/2022, o PL das Saidinhas, sendo sancionado por Lula, que vetou de forma ridiculamente tímida partes do texto aprovado no Congresso. A sanção de Lula ao PL manteve o fim das saídas temporárias (as “saidinhas”) para pessoas condenadas por crimes cometidos com violência ou grave ameaça e hediondos, como é o caso, respectivamente, dos crimes de roubo e de tráfico de drogas, responsáveis pela prisão da maioria da população carcerária brasileira. Mantendo o direito à saidinha apenas para crimes cometidos sem violência ou grave ameaça, Lula demonstrou, mantendo a tradição de seus governos anteriores, estar comprometido com uma política repressiva e encarceradora, sendo conivente com um grande retrocesso para a população presa e suas famílias, também vítimas do sistema de torturas que é o cárcere.

Além do fim das saidinhas para a maioria da população prisional, o PL institui a obrigatoriedade do exame criminológico para a progressão de regime. Este exame, em tese, avalia as habilidades da pessoa condenada a retornar ao convívio social, o perigo que ela oferece à sociedade e as suas chances de reincidir criminalmente. No entanto, segundo o próprio Conselho Federal de Psicologia, este método de avaliação não tem qualquer fundamentação científica! Na prática, vemos mais um mecanismo de controle da vida das pessoas presas e que, instituído como requisito para a progressão de regime, representará um aumento da quantidade de pessoas presas no Brasil e uma inacreditável intensificação da tortura no sistema prisional.

Nós acreditamos que o fim das prisões e da guerra, com uma legalização de drogas que de fato sirva aos interesses da população negra, das mulheres, das LGBTIA+, dos povos originários, das pessoas com deficiência e da classe trabalhadora só virá com a superação do capitalismo. É por isso que além de antiproibicionistas, nós somos abolicionistas e ecossocialistas. É preciso superar esse sistema para acabar de fato com a guerra e a política de extermínio que estrutura a nossa história e destroi os sonhos da nossa juventude.

Apesar disso, precisamos localizar esses ataques como diretos à qualquer perspectiva de reforma que buscamos conquistar em nossa luta antiproibicionista e anticapitalista. A mensagem que isso passa é a de que devemos desistir: “vocês nunca verão a legalização acontecer, acabar com a guerra não é um horizonte”. Batendo de frente com os de cima, é hora de reafirmar que quem define o nosso horizonte somos nós.

Se o genocídio da população negra é marca estrutural e permanente na história do Brasil, a aprovação do PL das Saidinhas e da PEC das Drogas são medidas que escancaram que os sonhos da nossa juventude são descartáveis para o Estado.

Enquanto parte da juventude brasileira que está em luta, estamos lado a lado às batalhas contra essa política de massacre. É a partir dessa perspectiva que devemos ir às ruas e nos somar às Marchas da Maconha de todo o Brasil: não devemos confiar no STF, no Congresso Nacional ou no Poder Executivo para conquistar nossas vitórias. Essas são instituições inimigas da nossa classe, o que, com a aprovação dessas mudanças normativas, fica, mais uma vez, evidenciado. As instituições burguesas não são nossa alternativa porque estão aí para jogar o jogo do capital, no qual não cabem nossas vidas a não ser para servi-lo. Tampouco nos contempla uma coalização política de governo que se diz dos trabalhadores e trabalhadoras, mas aposta na governabilidade em cima de nosso sangue.

As Marchas da Maconha de 2024 têm o potencial de dar a essas instituições o recado de que nossas vidas não estão disponíveis para ser objeto de briga de poder dos de cima. O nosso poder nós construímos de baixo e é daí que vem a nossa força. Mas, mais do que uma mensagem para as instituições, o recado precisa ser o de convocação: é nas ruas e nas lutas que vamos construir as nossas vitórias. O papel dos poderosos, para se manter no poder, é nos dizer o tempo todo para abandonar nossos horizontes. O nosso, o das inconformadas com o que nos é imposto, é dizer que não aceitamos a relegação ao papel de telespectadores. Não veremos os ataques chegarem sem reagir e não rebaixaremos nosso horizonte. 

A luta continua! É pela legalização de todas as drogas, pelo fim das prisões e manicômios! Seguimos!

Ana Lia Galvão – Coordenação Nacional do Ecoar, militante do movimento antiproibicionista e anticárcere em SP

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