Construir a Oposição de Esquerda que necessitamos, por uma UNE radical e ecossocialista!

Coordenação Nacional do Ecoar

O movimento estudantil no Brasil e na América Latina exerce um papel fundamental de contribuir para o dinamismo das lutas em defesa de melhores condições de vida e pela emancipação humana. A experiência social que este movimento proporciona constroi potencialidades singulares para formação de militantes anticapitalistas e para consolidação de várias lutas que extrapolam os limites da pauta em defesa da educação.

Por essa razão, este é um movimento em que além de encontrar pessoas dispostas a se juntar à luta de classes, temos a forte presença de organizações políticas que disputam o movimento estudantil por reconhecerem sua importância histórica no Brasil e na América Latina. A atuação da União Nacional dos Estudantes (UNE) na articulação das lutas contra a Ditadura Militar é um forte exemplo que remonta o protagonismo de estudantes na história  da classe trabalhadora brasileira num momento duríssimo para a luta popular. 

Em meio às múltiplas crises do capitalismo, os setores que defendem a independência política do movimento estudantil atuam com grandes desafios para apresentar uma tática comum que reverbere na mobilização das bases militantes. Em 2025, chegamos ao 60º Congresso da UNE, espaço em que as defesas de rumo para o movimento estudantil revelam cada vez mais a fragmentação. Dentro de um aparente nó conjuntural em que urge a necessidade de lutar contra a extrema-direita e defender a superação da política de conciliação de classes, militantes e organizações revolucionárias precisam reconstruir os caminhos que apontem para reacender a chama do movimento estudantil.

 Por que construímos a Oposição de Esquerda?

Estamos em mais um ano congressual do movimento estudantil. A cada dois anos as universidades do país se organizam para eleger delegades, que representarão es estudantes no CONUNE e demais congressos de executivas estaduais. Os últimos anos foram de muitas mudanças entre os setores da esquerda, o que tem gerado um cenário de incertezas e de necessária reorganização. 

Pelo menos nas últimas duas décadas, a UNE foi polarizada entre dois campos: de um lado, o setor majoritário, hegemonizado pela União da Juventude Socialista (UJS) e com participação da maioria das juventudes atreladas ao PT e de partidos como PSB e PDT. De outro, a Oposição de Esquerda, um campo que sempre almejou concentrar os setores críticos à falta de democracia da UNE, ao imobilismo frente aos governos petistas e, especialmente, uma oposição radical às políticas neoliberais na educação. 

Não à toa, a Oposição de Esquerda atinge seu ápice durante os governos petistas, nos quais as contradições da majoritária governista tornaram-se grandes demais e abriram fissuras nas principais universidades para um debate crítico acerca do projeto de educação, do financiamento das universidades, da formação dos currículos e do acesso/permanência discente no ensino superior. 

É inegável que desde então a Oposição de Esquerda sofreu profundas mudanças. A falta de espaços internos de debate, as alterações no tamanho das forças e a perda de uma maioria trotskista são alguns dos elementos que influenciaram nessas mudanças.

Também é comum na história da UNE a existência de um terceiro campo. Durante o início dos anos 2000 até 2017 quem ocupava esse papel era o campo popular, formado pelo Levante Popular da Juventude e a Juventude da Articulação de Esquerda (PT). A partir de 2019, quem passou a ocupar esse lugar foi a Juventude Sem Medo (JSM), a principal força histórica que fez esse movimento foi o RUA, mas além dele a JSM é composta por Afronte, Manifesta, Travessia e Fogo no Pavio. Inicialmente, continuaria na chamada “Oposição Unificada”, mas, posteriormente, se constituiu como um setor efetivamente separado.

Se em algum momento foi possível dizer que a JSM tinha uma proximidade maior com a Oposição de Esquerda do que com a Majoritária, isto certamente ruiu. Congresso após congresso mais e mais teses passaram a ser assinadas pela JSM em conjunto com a Majoritária, críticas históricas aos programas de desvio de verbas da educação pública para a privada como o FIES e o PROUNI foram abandonadas. Recentemente, chapas em entidades estudantis como Diretórios Centrais Estudantis, Centros e Diretórios Acadêmicos formadas pela JSM e a Majoritária da UNE também ficaram cada vez mais comuns nas Universidades.

Esse rápido deslocamento afetou também a Oposição de Esquerda e é nítido que mais mudanças estão por vir. O caminho óbvio apontado – principalmente pelo Afronte – é uma entrada efetiva na majoritária. Contraditoriamente com o momento da maioria da UNE, que vive uma fase profundamente governista, impactada também pela dependência do PCdoB (partido ao qual a UJS é atrelada) com o PT depois da federação dos partidos para as eleições de 2022.

Por outro lado, a Oposição de Esquerda possui dificuldades em continuar cumprindo seu papel como campo da UNE. Alguns dos maiores debates na esfera da educação dos últimos anos não foram enfrentados, com uma linha crítica e coesa que pudesse unificar a comunidade estudantil pelos rincões de nosso país. Pouco foi falado sobre o Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), sobre a virtualização galopante das instituições federais de ensino superior (IFES) e houve uma incapacidade de criar uma pauta unificada nacional na greve das federais, em 2024. No máximo conseguimos uma unidade nas lutas contra os ataques à educação básica – como a militarização, o Novo Ensino Médio e a privatização da gestão escolar -, mas mesmo nesses casos sem a ênfase necessária frente aos aberrantes retrocessos contra a educação. 

Existe um descompasso entre o tempo impresso pelo atual governo Lula, que está acelerando os ataques à educação brasileira, e a atual incapacidade da Oposição de Esquerda de ser o contraponto necessário. É um dos momentos que as organizações da esquerda radical mais deveriam estar voltadas para a educação, resistindo, propondo e unificando os mais variados setores da classe trabalhadora contra esses ataques.

Por óbvio, não se pode apontar qualquer questão isolada para identificar as dificuldades que enfrentamos enquanto campo neste momento. A conjuntura piorou, e muito, desde o auge de atuação unificada da Oposição de Esquerda. A extrema direita cresceu vertiginosamente, os setores populares depois de décadas de burocratização petista se enfraqueceram, os partidos estão cada vez mais dependentes dos fundos eleitorais, fazendo de tudo para garantirem sua autore-produção. Nós, jovens, estamos trabalhando cada vez mais, em condições piores e com menos políticas públicas de acesso e inclusão à garantias básicos de existência. Somado a isso, o baque da pandemia de Covid-19 ainda ecoa nos pátios vazios das universidades e na história de uma juventude que será para sempre marcada por uma perda humana absolutamente traumática e irreparável. Embora um dos maiores potenciais do movimento estudantil seja concentrar pessoas ávidas a aprender, em um ambiente de autogestão e encontros presenciais diários, quem vive o dia a dia da universidade sabe que – assim como nós – elas não voltaram em sua plenitude: as sequelas da pandemia são sentidas todos os dias.

É por isso que, entrando na dividida que várias organizações da Oposição de Esquerda e da JSM criaram nesse último mês, é preciso refletir e reafirmar que sabemos bem para que existe a Oposição de Esquerda. Trata-se do campo que historicamente cumpriu o papel de se opor às políticas neoliberais para a educação e organizar os setores revolucionários na luta estudantil, que nós sempre construímos e cujo programa reivindicamos seu programa histórico. Além disso, acreditamos que mais do que nunca, a UNE, as universidades e nosso país precisam de uma Oposição de Esquerda forte, democrática, com unidade nas lutas e que consiga apresentar alternativas fortes contra o projeto neoliberal imposto à nossa educação. 

Para que isso seja possível, debater o atual momento de colapso climático é incontornável. Confirmamos esse ano um aumento de 1,5ºC na temperatura global quando comparada ao período pré-industrial, embora essa fosse uma previsão que o Acordo de Paris indicava para acontecer somente em 2100. Já estamos vivendo um colapso: os eventos climáticos extremos, a desertificação de biomas e a sexta extinção em massa avançam galopantes. Nos próximos 15 ou 20 anos, podemos enfrentar um verdadeiro fim do mundo, com mais da metade da área continental infértil, bilhões de refugiados climáticos e eventos extremos de proporções nunca antes vistas pela humanidade. 

Portanto, um programa ecossocialista para as universidades é urgente! Mesmo com todas as limitações de uma instituição burguesa e, por diversas vezes, mercadológica, a universidade ainda é um dos espaços com maior autonomia relativa que podemos acessar.

Precisamos que a ciência produzida nelas seja cada vez mais voltada para a sobrevivência da humanidade e não para o aumento de margens de lucro. Para isso, precisamos nos mobilizar para impedir a entrada de capital privado nas universidades públicas.

É necessário que a universidade consiga exercer seu papel com uma educação ambiental crítica, logo, reformas curriculares e linhas transversais sobre questões climáticas precisam ser implementadas. Os eventos climáticos extremos continuarão aumentando cada vez mais e não podemos nos limitar à reivindicação de climatização de salas de aula. É necessário que tornemos as universidades verdadeiras fortalezas de resistência a esses eventos, com reivindicações imediatas de garantia de água, energia, abrigo e temperaturas aceitáveis não apenas para a comunidade pedagógica, mas para todas as pessoas em volta, especialmente as populações mais fragilizadas como pessoas em situação de rua. Mas também cumprindo o papel de ser um pólo mobilizador da construção de alternativas, colocando a pesquisa e a ciência a serviço da luta contra o fim do mundo.

Com todos esses desafios e este curto prazo, não podemos nos dar ao luxo de um movimento estudantil a reboque de setores que estão fechados com a perpetuação deste modo de produção e com aqueles que lucram com ele. Para frear a destruição do planeta e de nossas vidas, é preciso um freio de emergência e para combater o fascismo é preciso alternativa, que não poderá ser apresentada por meio das reivindicações dos setores que fortaleceram o terreno para sua ascensão. Para cumprir estas tarefas, precisamos de uma Oposição de Esquerda na UNE.

Daqui pra frente, queremos que esses passos possam ser dados e que avancemos construindo um programa conjunto que retome a centralidade na luta contra o modelo neoliberal de educação, ao desvio de verbas públicas para os tubarões da educação, pela universalização do acesso à universidade com o fim dos vestibulares, entre tantos outros pontos históricos da Oposição Mas também que enfrente de verdade os desafios apresentados em um planeta que está sofrendo um colapso climático.

A nossa luta e construção é por uma Oposição de Esquerda à altura do nosso tempo e, para cumprir esse papel, é preciso que ela seja profundamente democrática, radical e ecossocialista.

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